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40 Anos a Desfazer Opinião

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Outro Imenso Adeus

Adeus, Bobby. E, sobretudo, obrigado. Pela música e pela integridade. Quando o fiz pela última vez, já o instinto me segredava que talvez fosse a última crítica que escrevia sobre um disco teu. Sentia-se próxima -vá-se lá saber porquê- a hora de ser a tua vez de partir para a Lua. Descansa em Paz. Nós, que nela raramente vivemos, temos outro bem que nos insufla alento e coragem para prosseguir. Que nos dá vida: a tua música. Boa viagem (a gente toma conta disto).

Por muito extraordinário que pareça, a última vez que sobre ele escrevi foi -aqui, neste mesmo blogue- no dia da sua morte, sem que soubesse da triste nova. Remonta a 2012, este meu penúltimo texto sobre Bobby Womack, cantor soul norte-americano (e autor do primeiro êxito dos Rolling Stones) falecido em 27 de Junho de 2014:


BOBBY WOMACK: The Bravest Man In the Universe

Nenhum exagero no título. James Brown ficou como the hardest working man in the show-business, graças a uma produção demencial (até uma paragem do autocarro -a meio de exaustivas digressões- era pretexto para uma ‘visitinha’ ao estúdio local). Agora, e antes que se faça tarde, convém notar como o autor do primeiro êxito dos Rolling Stones (‘It’s All Over Now’, 1964) já vai no 27º álbum, sem que alguma vez tenha feito a menor concessão. Na verdade, se James Brown teve que sentir na pele o melindre da desqualificação implícita na passagem de soul brother no.1 para sold brother no.1 nos conturbados dias de Nixon/Watergate, o mais célebre membro do clã Womack começou por avaliar a temperatura da alma num trivial “Fly Me To The Moon” (1968) e logo se decidiu por um mergulho sem regresso até às regiões mais recônditas da condição humana em “My Prescription” (1969) e “Communication” (1971). Já nada de condenável teria feito para manchar tão nobre imagem se o novo disco respeitasse o padrão-médio de interesse estético de (outro) meio-século de carreira. Mas que regresse mediante uma manifestação mais moderna, fresca e urgente que o facto comum da nata neo-soul, que as linhas com que se cose sugiram a base de uma radical versão ‘nortista’ da mesma redescoberta da necessidade de introspecção da Gal Costa de “Recanto” e que seja este o momento mais arrojado de uma empolgante escrita criativa que não atingia ‘tais alturas’ desde o duplo prodígio “The Poet/The Poet II” (1981/84), eis o conjunto de circunstâncias onde recolhe pleno sentido o título deste primeiro álbum em doze anos. É certo que tudo foi escrito por Damon Albarn; mas não o é menos que Womack é o exemplo perfeito de que como o intérprete é o genuíno autor da canção soul.
Ricardo Saló
 

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